A mulher que queria ser imortal
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(Ruth Guimarães)
Em certa cidade havia, há muitos e muitos anos, uma velha e rica senhora que, atacada de estranha loucura, queria se tornar imortal. Quanto mais envelhecia, mais se apossava dela o medo da morte. Rezava todos os dias e todas as noites, pacientemente, e tanto pediu a Deus que lhe concedesse a graça de não morrer que acabou conseguindo mais ou menos o que queria.
Conseguiu-o para seu mal, como se viu mais tarde.
O caso foi que um dia sonhou que um anjo de asas cintilantes descia do céu.
Ela se encolheu assustada, e, ao mesmo tempo, esperançosa. Seu quarto havia se enchido de uma radiante claridade, como se de repente se tivesse transformado numa opala gigantesca brilhando ao sol. E quando o anjo falou, todas as coisas que faziam algum rumor, dentro da noite, os grilos, as aves noturnas, os carros, as pessoas que passavam falando alto ou assobiando, tudo se calou, tomado de espanto, tudo ficou escutando a mensagem do céu.
E o anjo falou:
– O senhor Deus ouviu teus rogos. Ele manda te dizer que faças construir uma igreja. Durarás tanto quanto durar essa igreja.
Disse e desapareceu.
A velha senhora acordou sobressaltada, e nem pôde mais dormir o resto da noite, de tanta impaciência. Mal o sol espiou o quarto, pelas frestas da janela, a velha se levantou e saiu. Todos a viram muito ativa o dia todo, dando ordens, arranjando empregados, indo daqui para ali, à procura de arquitetos. À tarde, soube-se que ela havia mandado construir uma igreja de pedra.
O espanto da gente que habitava a cidade cresceu, quando se soube que aquela velhota maluca, em vez de ficar em casa, calmamente, recostada em gostosa cadeira de balanço, contando histórias ao netinhos, ia todos os dias fiscalizar a construção da igreja, incitando os pedreiros, aos gritos:
– Andem depressa com isso. Quero ver a igreja pronta, senão morro.
Os pedreiros abriam a boca, pasmados, sem entender patavina daquele mistério.
No dia em que a igreja ficou terminada, a velha senhora deu uma festa e viram-na brincar e rir, como se fosse uma menina. E desde então ela ria muito, seguidamente, e passava com um orgulhoso ar de posse, diante da igreja de pedra, magnífica e quase eterna: a sua vida de pedra.
Os anos foram se passando, morreram todos os velhos do lugar, e só ela permanecia firme. Quando lhe vinham contar a morte de alguém, ela casquinava um risinho assim: “Oh! Oh! Eh! Eh! Eh!”, como se dissesse para si mesma: “Comigo isso não acontecerá”.
Com o tempo, sua família foi se extinguindo. Morreram-lhe os filhos, os netos, os bisnetos e os netos de seus bisnetos.
Ela foi ficando sozinha no enorme palácio vazio, velha, velha, enrugada, estranha, irreconhecível. Não tinha mais com quem falar, pois morreram todos os seus conhecidos. E os moços, cujo espanto não tinha limites diante daquela velhinha infinita, não queriam saber de prosa com ela e tinham até medo de vê-la. A mulher já não contava os anos um por um. Contava por séculos. Fez trezentos, quatrocentos anos e depois passou a ter cinco, seis, sete séculos.
Então começou a desejar e a pedir a morte, espantada com sua medonha solidão.
Porém a sentença de Deus estava dada: “Duraria quanto durasse a igreja de pedra”
Logo se espalhou pela cidade que a velha senhora tinha arranjado outra mania. Sentava-se à porta do seu belo palácio, e perguntava aos que passavam:
– A igreja de pedra caiu?
– Não, minha senhora – respondiam eles, admirados. – Não cairá tão cedo.
E ela suspirava:
– Ah! Meu Deus!
Passavam-se os anos, e ela perguntava cada vez mais ansiosa:
– Quando cairá a igreja de pedra?
– Oh, minha senhora, quem pode saber quanto tempo durarão as pedras uma sobre as outras?
E todos tinham muita raiva e muito medo dela, pois fazia tais perguntas, além de cometer o desaforo de não morrer.
A velha senhora foi, por fim, à casa do padre, contou-lhe tudo e pediu que a deixasse ficar num caixão, dentro da igreja, esperando a morte. Dizem que está ali até agora, e reza sem parar, todos os minutos de todos os dias, pedindo a Deus que a igreja caia.
Fonte: GUIMARÃES, Ruth (org.). Lendas e fábulas do Brasil. Clássicos da infância. São Paulo, Círculo do Livro.
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