Quebra-cabeças
(Cláudio García Pintos)
Era uma aldeia de tolos. Uma aldeia habitada por pessoas habituadas a viver tolamente, fugindo aos problemas, não resolvendo situações, mantendo relações superficiais e passageiras… Ninguém conhecia bem o seu vizinho e alguns nem sabiam se alguém vivia na porta ao lado.
Um dia, um grupo de quatro tolos organiza uma excursão. Tratava-se de um passeio pelo bosque que ficava próximo da aldeia. Assim, sem previsões nem provisões, os tolos saíram da aldeia. Chegando à entrada do bosque, descobriram que tinham diante dos olhos a obscura maravilha de sendas caprichosas e galerias desenhadas por árvores de frondosa presença e úmido acolhimento. Escolheram uma clareira como entrada e introduziram-se nessa cativante imagem.
Uma vez dentro, facilmente foram enganados por uma manhã maravilhosa, que confundiu os seus passos e os fez perder a referência da entrada escolhida. Sem saberem que decisão tomar, seguiram em frente, esperando encontrar a qualquer momento uma saída. Cedo começaram a enfrentar riscos de todo o tipo. Um deles começou a perceber sons, ruídos estranhos e desconhecidos. Pensou que se tratava dos duendes do bosque, fantasmas que habitavam aquela úmida escuridão e perseguiam os intrusos que ousavam invadi-la. Sentiu medo, vacilou um momento, quis fugir, mas logo reagiu: tapou os ouvidos com as mãos e ficou tranquilo, porque, assim pensou, os duendes deixariam de existir.
Outro descobriu entre as sombras cerradas do bosque presenças estranhas que o seguiam e o olhavam. Eram curiosos seres cujas formas se modificavam à medida que ele se aproximava ou se afastava deles e que surgiam da escuridão como personagens ameaçadoras. Também sentiu medo. Quis fugir desse círculo no qual fora apanhado pelas sombras e pelos seus temores. Logo reagiu e, tal como aconteceu com o outro tolo, descobriu o que fazer: tapou os olhos com as mãos e ficou tranquilo, porque, assim pensou, as sombras ameaçadoras deixariam de existir.
O terceiro tolo, que gostava de cantarolar enquanto caminhava, começou a sentir personagens invisíveis que, com vozes estranhas e lânguidas, entoavam cantos de melodia envolvente. Sentiu medo. Quem seriam essas personagens que repetiam invariavelmente os seus cantos com um tom que o assustava, com uma sonoridade inquietante? Quis fugir delas, mas não conseguiu. Para onde ia, elas iam também. E tal como aconteceu com os tolos anteriores, tomou uma decisão: tapou a boca, parou de cantar e ficou tranquilo, porque, assim pensou, as vozes ameaçadoras deixariam de existir.
O quarto tolo, que gostava de caminhar e de percorrer todos os atalhos do bosque, cedo descobriu que, por mais que caminhasse, chegava sempre ao mesmo lugar. Acelerava o passo, como se isso lhe permitisse sair mais depressa do labirinto verde-escuro em que se havia metido. Mas de nada adiantava; por mais que corresse, chegava sempre ao mesmo lugar. Sentiu-se apanhado pela própria impossibilidade de encontrar a saída. Quis fugir, mas não pôde.
Para onde quer que caminhasse, os atalhos levavam-no, invariavelmente, ao mesmo lugar. Logo reagiu, e tal como aconteceu com os outros três tolos, descobriu o que tinha a fazer: ficou parado, porque, assim pensou, os caminhos não se cruzariam, impedindo-o de sair do lugar. Mas sentiu que não tinha resolvido o problema.
Permaneceu ali parado durante um momento… e também não tinha saído do labirinto, que continuava a existir em seu redor, cerrado, enigmático, e verde-escuro. Pensou um instante e disse para consigo que, se existia uma entrada, devia existir uma saída. Só a encontraria se a procurasse. E, apesar do medo, decidiu procurá-la. Pegou numa pedra, amarrou-a a uma corda que fez com raízes e lançou-a para o meio da espessura verde do bosque. Seguindo a corda como se fosse um atalho, caminhou de maneira pausada, mas decidida.
Assim, inventando atalhos através do verde espesso do bosque, chegou à presença do duende do bosque. Era uma pequena e simpática personagem, que o recebeu afetuosamente. O tolo assustou-se, mas não tentou fugir dele, porque percebeu que seria bem recebido. O duende guiou-o até à saída mais próxima do bosque. Ao chegar lá, deparou-se com uma curiosa montanha formada por milhares de peças de um quebra-cabeças gigante.
Então, o duende disse-lhe que a condição para encontrar a única saída que o bosque tinha era reconstruir inteiramente a figura do quebra-cabeças. O nosso tolo sentiu-se decepcionado por ter de realizar tão árdua tarefa, tendo em conta aquela enorme quantidade de peças. Mas o duende do bosque animou-o dizendo que devia tentar, ou então voltar para o centro do labirinto, e ficar lá parado, como já havia feito antes.
O duende deixou-o sozinho para que decidisse o que devia fazer e, desejando-lhe sorte, perdeu-se na espessura do bosque. O tolo deu início à tarefa. Trabalhou muitas horas, tentando reconstruir a figura em questão. Teve de enfrentar desânimos e frustrações. Foi relativamente bem sucedido e conseguiu reconstruir uma parte da figura. No decurso das suas tentativas, encontrou no meio da montanha uma peça curiosa. Era semelhante às demais, mas tinha uma particularidade: no canto da peça havia alguma coisa que se parecia com um botão vermelho. Ele deixou-a de lado e continuou a tentar. Passado um momento, voltou àquela peça… e como se alguma coisa dentro dele o impelisse, pressionou o botão.
No mesmo instante, presenciou um fato maravilhoso: em simultâneo, todas as peças começaram a juntar-se automaticamente, de maneira precisa e muito cuidadosa, até formarem a imagem perfeita e acabada do quebra-cabeças. Ainda sob o efeito da surpresa, percebeu que se tratava do desenho de uma porta tão vividamente pintada que parecia real. Tão real parecia que teve vontade de rodar o puxador e de abri-la. Foi o que fez, e a sua surpresa tornou-se ainda maior porque a porta se abriu, e ele pôde, finalmente, sair do bosque.
Penetrou assim numa paisagem espetacular, intensa, luminosa, com vales regados por sinuosos regatos e enfeitados por pomares coloridos, percorridos por pessoas que cantavam sem tapar a boca, cujos olhares possuíam um brilho especial que não ocultavam, e que desfrutavam de cada som, cada canto, cada silêncio. E enquanto ele se abria ao esplendor daquela nova paisagem, certo de nunca mais regressar à aldeia de onde havia saído, os outros tolos permaneciam com os olhos tapados e a boca fechada, acreditando tolamente que, assim, os fantasmas do medo e do temor deixariam de existir.
Fonte: http://pagina-de-vida.blogspot.com/2007/05/para-uma-biblioterapia.html