Pagina: ‘Caminho de Letras’

Sabedoria

“O homem não encontra sua imagem na extensão dos conhecimentos que adquire;
ele encontra uma imagem de si mesmo nas perguntas que faz.”

(André Malraux, escritor francês, 1901-1976)

 

A palavra como poética de voo

SESC Pinheiros
Capturar11
Na série de encontros do projeto Puzzle, os convidados discorrerão sobre como a palavra é capaz de reconduzir a percepção para além da dimensão informativa. Por meio da palavra são criadas possibilidades de outra ideia de indivíduo, de outras entradas sobre o real e de novos desenhos e traços sobre o cotidiano, de maneira crítica e potencialmente poética.

Com Tom Zé, Juliano Garcia Pessanha e Emicida.

Retirada de ingressos na bilheteria do Sesc Pinheiros na data da atividade, a partir das 18h.

Local: Teatro Paulo Autran

Amarello, Amor

O que existe além do que ja foi dito sobre o amor?
Toda minha vida pautada em amores que tive ou gostaria de ter
Falando sobre os que tive, também não tenho muito que dizer.
Amei e fui muito bem amada.
Mas foi um amor, um único amor, que veio cruzou minha vida, tocou minha alma e ficou marcado em minha pele.

Todos nos carregamos com nós uma história.
Aquela que só nos atrevemos a lembrar, quando durante a noite no escuro, enconstamos nossas cabeças no travesseiro e o silêncio cala fundo.

Não importam os anos, certas coisas simplesmente permanecem.

Mas então, numa quinta-feira a tarde de um ano qualquer, tropeçamos nesse amor já supostamente esquecido.
Percebemos que amor igual não há e que aquela pessoa continua e continuará a ser nossa referência afetiva mais sincera e profunda.

Não é doença nem obsessão. Aliás não e nada, só amor. Amor dos bons, daqueles que são únicos e maravilhosos, que acontecem poucas vezes na vida das pessoas. Daqueles amores que ficam e que teremos que conviver com ele como algo concreto e parte de nossas vidas.

Que alma consegue atravessar a vida sem ter conhecido o amor e quem sabe, ter a sorte de ser correspondido?

Que vida vale a pena sem amor?

Nenhum sentimento é mais lindo profundo e transformador que o amor.

Só amor transcende e purifica, enlouquece e cura, invade, permanece, liberta e aprisiona.

Quando acontece é um som grave que penetra invade e permanece.

Não compliquem e nem elaborem o sentimento mais incrível e poderoso de todos.

Permitam que eles cheguem e se instale.

Porque o resto são bobagens meninos, bobagens.

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A produção é da AMARELLO, uma publicação  independente que fala de moda, música, cinema, política, artes gráficas e artes plásticas. Segue a linha desse vídeo feito em Portugal: (para ver clique aqui)

O melhor espetáculo

“Eu tenho uma espécie de dever, de dever de sonhar, de sonhar sempre, pois sendo mais do que um espectador de mim mesmo, Eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso. E assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho entre luzes brandas e músicas invisíveis.”

Fernando Pessoa

Colhe o dia, porque és ele.


Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

(…) Colhe o dia, porque és ele.

  Ricardo Reis, in “Odes”

Exausto – Adélia Prado

Raizes

 

Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.

Via Láctea – Olavo Bilac

ESTRELAS
Ora ( direis ) ouvir estrelas!
Certo, perdeste o senso!
E eu vos direi, no entanto
Que, para ouví-las,
muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto

E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido tem o que dizem,
quando estão contigo? ”

E eu vos direi:
“Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas

Metade – Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

Perdoando Deus – Clarice Lispector

(…) mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão (…)”

Caminhe – Poema de Marcelo Ferrari


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Caminhe!
Assim como contam
seus irmãos de pés cascudos.
Assim como sonham
seus irmãos de pés de seda.
Caminhe ereto.
Com a sombra amarrada aos calcanhares.
Com olhos de girassol.
Com o couro desgastando feito sabão
seguindo a regra três:
onde o menos vale mais.

Caminhe, homem.
Lábios calados em punho.
Corpo cajado em prumo.
Passo a passo,
empurrando o mundo para trás.

Caminhe, homem.
Não porque acredita ser necessário
chegar ao final da reta,
mas porque é inevitável
curvar-se ao próprio destino.

Caminhe, homem.
São mais de mil e oitocentas colinas.
Novecentos dragões de lama.
Sete demônios de resistência.
E todos vencidos pela solidariedade de duas pernas
que servem de ombro uma à outra.

Caminhe, homem.
Entregue-se à dança dos bambus
e eles dobrarão o medo pra você.
Ande calmo entre as vacas
e elas ruminarão suas angústias.
Solte seus cabelos brancos
e o vento lhe responderá
como responde às árvores.
Beba suas magoas gole após gole,
que num ato de alívio
ela se juntará à enxurrada,
rumo ao rio,
rumo ao mar.

Caminhe, homem.
E quando cair, levante-se.
E quando levantar-se,
siga até cair de novo.
E quando estiver no chão
não reclame da profundidade da sorte,
nem da largura do azar,
antes do próximo passo.

Caminhe, homem.
Ouça os lírios do campo.
Plante um livro.
Leia uma árvore.
O apito do tem
trem gosto de amora.

Não olhe pela nuca.
O caminho está por todos os lados.
E todos levam a Roma.

Caminhe, homem.
Carros andam mais rápido do que você.
Cavalos andam mais rápidos do que você.
Cachorros andam mais rápido do que você.
Tartarugas com câimbra
andam mais rápido do que você.
Mas você não pode
andar mais rápido do que você.
E nem pode ser mais do que é.

Você é uma criança
jurada de morte pelo tempo.
Saboreie tanto a fome como a refeição.
Mais vale manteiga no pão
do que sebo nas canelas.

Muitas vezes,
o caminho será uma pedra no sapato.
Uma carga impossível de carregar.
Uma montanha intransponível.

Caminhe, homem.
Que em algum momento do caminho
seu coração será tocado
pela mesma força que dá peso à carga,
altura à montanha
e dureza à pedra.

Caminhe para compreender
que sentar só faz sentido
quando se está andando.
E andar, só faz sentido,
quando se está sentado.

Caminhe, homem.
E quando estiver com fome, coma.
E quando estiver com sede, beba.
E quando tiver forças, ande.
E quando não tiver mais, pare.

Não tenha medo de ser fraco.
Nem orgulho de ser forte.
Apenas caminhe.
Com pés de adulto,
ânimo de criança
e sabedoria de ancião.

Caminhe, homem.
Porque o caminho é seu melhor amigo.
Porque o caminho só existe para lhe servir.
Porque caminhar é seu caminho.
Seu destino de homem.

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