Caminhe – Poema de Marcelo Ferrari


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Caminhe!
Assim como contam
seus irmãos de pés cascudos.
Assim como sonham
seus irmãos de pés de seda.
Caminhe ereto.
Com a sombra amarrada aos calcanhares.
Com olhos de girassol.
Com o couro desgastando feito sabão
seguindo a regra três:
onde o menos vale mais.

Caminhe, homem.
Lábios calados em punho.
Corpo cajado em prumo.
Passo a passo,
empurrando o mundo para trás.

Caminhe, homem.
Não porque acredita ser necessário
chegar ao final da reta,
mas porque é inevitável
curvar-se ao próprio destino.

Caminhe, homem.
São mais de mil e oitocentas colinas.
Novecentos dragões de lama.
Sete demônios de resistência.
E todos vencidos pela solidariedade de duas pernas
que servem de ombro uma à outra.

Caminhe, homem.
Entregue-se à dança dos bambus
e eles dobrarão o medo pra você.
Ande calmo entre as vacas
e elas ruminarão suas angústias.
Solte seus cabelos brancos
e o vento lhe responderá
como responde às árvores.
Beba suas magoas gole após gole,
que num ato de alívio
ela se juntará à enxurrada,
rumo ao rio,
rumo ao mar.

Caminhe, homem.
E quando cair, levante-se.
E quando levantar-se,
siga até cair de novo.
E quando estiver no chão
não reclame da profundidade da sorte,
nem da largura do azar,
antes do próximo passo.

Caminhe, homem.
Ouça os lírios do campo.
Plante um livro.
Leia uma árvore.
O apito do tem
trem gosto de amora.

Não olhe pela nuca.
O caminho está por todos os lados.
E todos levam a Roma.

Caminhe, homem.
Carros andam mais rápido do que você.
Cavalos andam mais rápidos do que você.
Cachorros andam mais rápido do que você.
Tartarugas com câimbra
andam mais rápido do que você.
Mas você não pode
andar mais rápido do que você.
E nem pode ser mais do que é.

Você é uma criança
jurada de morte pelo tempo.
Saboreie tanto a fome como a refeição.
Mais vale manteiga no pão
do que sebo nas canelas.

Muitas vezes,
o caminho será uma pedra no sapato.
Uma carga impossível de carregar.
Uma montanha intransponível.

Caminhe, homem.
Que em algum momento do caminho
seu coração será tocado
pela mesma força que dá peso à carga,
altura à montanha
e dureza à pedra.

Caminhe para compreender
que sentar só faz sentido
quando se está andando.
E andar, só faz sentido,
quando se está sentado.

Caminhe, homem.
E quando estiver com fome, coma.
E quando estiver com sede, beba.
E quando tiver forças, ande.
E quando não tiver mais, pare.

Não tenha medo de ser fraco.
Nem orgulho de ser forte.
Apenas caminhe.
Com pés de adulto,
ânimo de criança
e sabedoria de ancião.

Caminhe, homem.
Porque o caminho é seu melhor amigo.
Porque o caminho só existe para lhe servir.
Porque caminhar é seu caminho.
Seu destino de homem.

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