Serestando (Ana Cristina Colla)
“Seria ótimo se houvesse como dizer um “não-sim” porque, muitas vezes, o “não” traz impresso o desejo do “sim”.”
Na vida mentimos a todo momento – se a afirmação no plural causa rejeição, recoloco os termos: na vida minto a todo momento. Talvez a utilização da palavra todo também possa ser assumida como um exagero para valorizar a argumentação que virá. Acostumamo-nos tanto a mentir sobre as pequenas coisas que elas acabam por se tornar verdades no decorrer do tempo. Dá preguiça não mentir. È tão mais prático. “Como vai? Tudo bem?” e a resposta vem automática: “tudo bem” – mesmo se você acordou naquele dia com a sensção de que nada faz sentido na vida.
A palavra nos permite isso. Escondemo-nos por trás de seus significados. No máximo, somos denunciados pelo tom impresso na voz, sinalizando que razão e sentimento andam brigados. A comunicação por palavras, muitas vezes, leva a uma redução prática do sentir.
Palavras não me bastam, são concretas demais. “Sim”, “não”, “sempre”, “nunca”, ainda bem que existe “às vezes”, “nem sempre”, para amenizar e deixar em aberto. Seria ótimo se houvesse como dizer um “não-sim” porque, muitas vezes, o “não” traz impresso o desejo do “sim”. Desejar não desejando. Ou eu é que estou ficando esquizofrênica?
Se ampliamos a comunicação para todo o corpo, o invisível pode ser comunicado. Com a associação ou não das palavras. Não nego a palavra. Apenas creio que ela não se batsa por si. Sinto-a traiçoeira.
Ana Cristina Colla é atriz-pesquisadora do LUME Teatro.
OBS: O texto na íntegra pode ser encontrando em Serestando. In: FERRACINI, Renato (org.). Corpos em fuga, corpos em arte. São Paulo: Aderaldo & Rotschild Editores: Fapesp, 2006.