Um Tempo que Passou

“O tempo escorreu
O tempo era meu
E apenas queria
Haver de volta
Cada minuto que passou sem mim.”

“Um Tempo que Passou”, composição de Chico Buarque e do cantor português Sérgio Godinho, é uma das provas de que muitas músicas de artistas brasileiros são mais conhecidas no exterior do que em nosso país. Gravada por Godinho, a canção virou sucesso em Portugal, mas é pouco conhecida no Brasil. A letra, belíssima, nos fala sobre um tempo que ficou perdido, talvez esquecido de viver, talvez vivido por alguém que o tenha “roubado”.

O mais belo, no entanto, é que aquele que canta reconhece que não é o único que perdeu algum tempo, que deixou-o “escorrer”. Junto com ele, enxerga outras milhões de pessoas que também tiveram algum momento de suas vidas que ficou no passado, que passou, que não mais volta e que não foi vivido por elas.

A poesia permite a falta de coerência, permite que assumamos a ocorrência de tempos de nossas vidas, os quais não tenhamos vivido. Todos experimentamos isso. Quando nos tornamos outros, muitas vezes, desconhecemos aquele que viveu o tempo passado por nós, em nosso lugar, ocupando a nossa existência, a forma como experienamos o presente pode ser completamente diferente daquela como experienciamos o passado. Ampliando esta ideia, cabe pensar que o tempo presente também será passado um dia, e também, possivelmente, não existamos neste futuro. Pode parecer confuso, mas é apenas a constatação de que o tempo presente, também, virá a ser “um tempo que passou”.

Um tempo que passou
(Composição: Sérgio Godinho e Chico Buarque)

Vou
Uma vez mais
Correr atrás
De todo o meu tempo perdido
Quem sabe, está guardado
Num relógio escondido por quem
Nem avalia o tempo que tem

Ou
Alguém o achou
Examinou
Julgou um tempo sem sentido
Quem sabe, foi usado
E está arrependido o ladrão
Que andou vivendo com o meu quinhão
Ou dorme num arquivo
Um pedaço de vida, vida
A vida que eu não gozei
Eu não respirei
Eu não existia
Mas eu estava vivo
Vivo, vivo
O tempo escorreu
O tempo era meu
E apenas queria
Haver de volta
Cada minuto que passou sem mim

Sim
Encontro enfim
Iguais a mim
Outras pessoas aturdidas
Descubro que são muitas
As horas dessas vidas que estão
Talvez postas em leilão

São
Mais de um milhão
Uma legião
Um carrilhão de horas vivas
Quem sabe, dobram juntas
As dores coletivas, quiçá
No canto mais pungente que há

Ou dançam numa torre
As nossas sobrevidas
Vidas, vidas
A se encantar
A se combinar
Em vidas futuras
E vão tomando porres
Porres, porres
Morrem de rir
Mas morrem de rir
Naquelas alturas
Pois sabem que não volta jamais
Um tempo que passou

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