O espelho na parede
história contada por Prem Rawat
Era uma vez uma aldeia distante onde viviam pessoas muito simples. Um dia, chegou um turista. Na manhã seguinte, ele pegou seu espelho e colocou-o na parede para se barbear. Lavou-se, barbeou-se, mas se esqueceu de retirar o espelho da parede antes de seguir viagem.
Um aldeão idoso, de cabelos grisalhos, olhos brilhantes e um belo rosto radiante, viu o espelho na parede e olhou nele. Nunca havia visto seu próprio semblante, assim, quando se deparou com seu rosto no espelho ficou assombrado e disse para si mesmo: “Hoje vi o rosto de Deus”. E saiu completamente feliz: “Eu vi Deus”.
Depois, chegou uma menina. Quando ela se viu no espelho, ficou surpresa. “Vi a mulher mais linda da face da Terra. Quando eu crescer, quero ser como ela!” Em seguida, chegou um homem que havia perdido seu pai há pouco tempo. Olhou no espelho e disse: “Meu Deus! Vi meu pai novamente”. Porém, as três pessoas que se viram no espelho começaram a ficar muito zangadas. O idoso queria o espelho porque era onde havia visto o rosto do seu Deus. A menina queria o espelho porque ansiava ver de novo a aparência linda que desejava ter. E o terceiro homem queria o espelho porque nele havia visto seu pai. Começaram a discutir e logo a aldeia toda estava brigando.
Todos os aldeões começaram a ficar infelizes porque um a um entrava no cômodo, olhava no espelho e – o que quer que visse – gostava e queria o espelho para si.
Finalmente, por acaso, apareceu um sábio. Quando notou a confusão na aldeia, perguntou: “Por que estão todos brigando?” Diferentes pessoas responderam: “Quero este objeto porque é meu Deus”, ou: “É assim que quero ser”, ou: “É meu pai”, ou: “É meu isso; é meu aquilo”. Então ele pediu que aquela coisa mágica fosse retirada da parede e levada até ele. Levou os aldeões até o cômodo, apontou o objeto e disse: “Vocês não sabem o que é isto? É um espelho”.
Chamou o ancião e disse: “Você não viu o rosto de Deus. Viu a si mesmo”.
Chamou a menina e disse: “Você não viu a mulher mais linda. Viu a si mesma”.
Chamou o terceiro homem e disse: “Você não viu seu pai, viu a si mesmo. Você se parece com seu pai, por isso pensou tê-lo visto, mas era você”.
Chamou todos, um por um, e disse: “A imagem que você viu no espelho, e de que gosta, não faz parte do espelho, é você.”
“…e em mim o campo de silêncios e silêncios – esse vazio cristalizado que tem dentro de si espaço para se ir para sempre sem parar: pois espelho é o espaço mais profundo que existe.”(Clarice Lispector)