A Terceira Margem do Rio
“Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa?
Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo.
Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento.”
(Guimarães Rosa)
Inspirada no conto homônimo de Guimarães Rosa, A terceira margem do rio é uma belíssima composição de Cateano Veloso e Milton Nascimento, gravada por Caetano no início da década de 90. O conto, uns dos mais tradicionais da literatura brasileira, fala de um homem que deixa mulher e filhos, constrói uma canoa e parte para o rio, sem nunca mais regressar a nenhuma das margens. Quem conta a história é o filho. O texto, carregado de densidade póética, abre espaço para várias interpretações.
Que lugar é este entre as duas margens do rio? Como se aproximar de quem adentra por esse caminho, onde as palavras não falam mais, onde tudo é silêncio e mistério? E quem fica a margem, o que faz: lembra do outro, esquece? A música, um brilhante jogo entre significação e som, nos fala desse silêncio da palavra, desse espaço de impossibilidade de comunicação entre um e outro, entre nós mesmos e aqueles que vieram antes de nós, entre o homem e sua origem.
A terceira margem do rio
Composição: Caetano Veloso/Milton Nascimento
Oco de pau que diz:
Eu sou madeira, beira
Boa, dá vau, triztriz
Risca certeira
Meio a meio o rio ri
Silencioso, sério
Nosso pai não diz, diz:
Risca terceira
Água da palavra
Água calada, pura
Água da palavra
Água de rosa dura
Proa da palavra
Duro silêncio, nosso pai
Margem da palavra
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
Rosa da palavra
Puro silêncio, nosso pai
Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio riu, ri
O que ninguém jamais olvida
Ouvi, ouvi, ouvi
A voz das águas
Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai
Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai