Ayahuasca, do uso seguro à “roleta-russa”

Ilustração: Priscilla Camacho

Ilustração: Priscilla Camacho

Os assassinatos do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, ocorridos no mês de março e atribuídos a um dos integrantes da organização religiosa Céu de Maria,  fundada pelo artista na década de 90, reacenderam o debate a respeito do uso da Ayahuasca, erva com que se produz o chá conhecido como Santo Daime, e de seus efeitos no organismo.

A erva é oriunda da Região Norte do Brasil, e hoje seu uso está difundido por todo o país, tendo sido disseminado pelos rituais de alguns segmentos religiosos, que sincretizam tanto pressupostos indígenas como os pertencentes a outras culturas, como a cristã, por exemplo. Os mais conhecidos são a Igreja do Santo Daime, a União do Vegetal e  a  Barquinha.

 A ingestão do chá, entendida como sacramento nestas organizações, provoca alucinações em todas as modalidades de percepção, ou seja, visuais, olfativas, auditivas, gustativas  e táteis.  Em geral, os usuários descrevem alterações dos parâmetros básicos da experiência, como confusões em relação a identidade pessoal, a temporalidade e as características do mundo exterior. Os quadros alucinatórios, na maioria das vezes, duram apenas pelos momentos subsequentes ao uso. Como sintomas físicos, percebidos exteriormente, observam-se, às vezes, dilatação das pupilas, suor excessivo, taquicardia, náuseas e vômitos.

Como é característico das substâncias alucinógenas, é difícil que haja desenvolvimento de tolerância, ou seja, que a pessoa precise ingerir doses cada vez maiores para obter os mesmos efeitos encontrados no início do uso. Isso contribui para que não induzam dependência. Esses seriam argumentos favoráveis a manutenção do uso, no entanto, a grande preocupação que gira em torno da liberação e do incentivo ao consumo de substâncias alucinógenas como o Daime é a probabilidade que existe de que, ao ser tomada pela alucinação, a pessoa tome atitudes que em estado são não realizaria. A pessoa pode sentir-se, por exemplo, perseguida ou em perigo e na tentativa de defender-se causar danos a si mesma ou aos que a acompanham.

Outro perigo que o uso traz é o de desencadeamento de surtos psicóticos em pessoas que apresentam algum histórico ou propensão para estes quadros. Não só a DMT (substância psicoativa presente no Santo Daime) mas também outras substâncias, como a maconha, o LSD ou as metanfetaminas, podem aumentar a frequência das alucinações e acelerar o desenvolvimento de quadros psicóticos precedentes ao uso ou provocar as primeiras manifestações destes quadros.

Conclui-se assim, que o uso tanto pode ser inofensivo, quanto trazer consequências devastadoras, uma vez que as experiências vividas durante os surtos psicóticos deixam marcas afetivas ao indivíduo que as experimenta. Além disso, caso não seja contido a tempo, por meio de intervenções psiquiátricas, os surtos podem provocar lesões cerebrais e deixar sequelas físicas aos indivíduos.

A experimentação do Daime, como a de qualquer substãncia alucinógena, pode ser comparada a um jogo de “roleta-russa”, em que a consequência pode ser tanto nula, quanto fatal. Não é possível afirmar que foi o uso da substância durante o ritual que levou o estudante a exibir quadros de delírio e atirar contra o cartunista e seu filho sem motivo aparente, mas sabendo que o rapaz realizava tratamento psiquiátrico, pode-se inferir que o uso do chá, com certeza, em sua condição, era, de fato, não-recomendável.

Atualmente, no Brasil, o consumo do Daime em rituais religiosos é liberado, no entanto, é importante que as autoridades e os profissionais que trabalham com saúde mental estejam a par dos efeitos danosos que a ingestão da bebida pode trazer, colocando em risco, tanto aqueles que a consomem, como os que estão a sua volta.

Para saber mais:
(os artigos a seguir serviram de fontes para o texto acima)

CHÁ DO SANTO DAIME (AYAHUASCA)

OS CONTEÚDOS DAS VISÕES DA AYAHUASCA – Benny Shanon

ALUCINÓGENOS NATURAIS: UM VOO DA EUROPA MEDIEVAL AO BRASIL –  Sabrina Martinez, Márcia Almeida e Angelo Pinto

COGUMELOS E PLANTAS ALUCINÓGENAS – Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas)

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